quinta-feira, 24 de abril de 2008

Passeio com o Bobby

De noite, toda noite, eu tenho que levar o Bobby para um passeio em volta do quarteirão. Quem é o Bobby? Bom, é difícil responder essa pergunta sem parecer um pouco bobo. Por quê? Porque o Bobby é meu cachorro labrador e, para mim, ele não é só isso. Para mim ele é um anjo que alguém lá de cima, que gosta muito de mim, mandou para me ensinar a amar todos os bichos, para amar a natureza, para ensinar a amar em geral. O Bobby é o amor sobre quatro patas. Bem, eu já fui logo avisando que eu sempre pareço um bobo quando falo do Bobby. Sim, claro, eu o chamo de filho. Não foi nem uma nem duas vezes que brincaram comigo, chamando nós dois juntos de Bobi pai e Bobi filho. Mas, tudo bem, eu queria contar outra coisa: toda noite, então, eu saio na rua com ele. Por força do destino – e, sobretudo, do trabalho de toda vida de meu pai – eu moro num dos lugares de comércio mais finos (e caros) de São Paulo, meu quarteirão é todo de lojas. Às vezes, mesmo sendo um pouco tarde, passo por muitas pessoas. Gente de todo tipo, casais saindo de algum dos tantos restaurantes famosos que ficam pela área, funcionários de lojas, indo apressadamente pegar seus carros (onde será que estacionam? Não se encontra um maldito lugar na rua, toda tomada pelos serviços de valet), seguranças de terno e gravata (tenho uma teoria que, daqui alguns anos só os seguranças e os gerentes de TI andarão de terno e gravata), famílias tomando sorvete e olhando as vitrines e muitos outros na mesmíssima situação: levando seus amigos cachorros para uma voltinha a fim de fazerem suas necessidades biológicas. Antes que alguém pense qualquer coisa eu já advirto que sempre pego o cocô do Bobby ! Não me importo, até já me acostumei. Algumas vezes, no entanto, fiquei bem enojado. Não por causa do cocô do Bobby. Mas, porque sem querer peguei de algum outro que, sem ver, estava ao lado do dele. Cocô dos outros (ergh!) e, pior, já frio! O do Bobby, quente, duro, com nós típicos de cachorro que só come ração premium não sinto nada. Mas, tudo bem, eu estava dizendo outra coisa: eu sei que é feio, que não se deve escutar a conversa dos outros, mas nesses passeios eu ouço coisas bem interessantes. Como a vez em que vi duas moças bem vestidas, mas que pelo jeito não usavam roupas caríssimas de grife, mas bem vestidas, andando em um passo lento, entretidas na análise das tendências da moda para a próxima estação. Ao passar por elas (sendo puxado de um canteiro para outro) pude ouvir:
- “Sabe? Eu gosto de olhar, mas tenho consciência que essa rua não é para o meu bico. Não tenho dinheiro para comprar nesse lugar.”
Ao invés de ter qualquer sentimento de pena pela condição financeira da moça, eu senti admiração por sua lucidez expressa, pelo modo como ela articulou a frase, pela entonação que deu . Mesmo ciente que não podia consumir aquelas roupas bonitas, ela apreciava observar aquelas vitrines luminosas e coloridas, num despojamento invejável. Passou por mim, olhou para o Bobby e sorriu.
Depois que eu tive o Bobby eu percebi como um cachorro pode ser um ser socializador. Antes, eu não conhecia os arredores, não falava nem com meus vizinhos. Hoje eu compro fiado na banca, cumprimento os motoristas de taxi, os manobristas me ajudam a sair de casa e chamo pelo nome vários outros cachorros do bairro. Meu quarteirão ficou mais meu.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Velho?

Existiu um tempo em que as pessoas falavam para a prole:
- Meu filho, eu o invejo, pois ainda não leu Eça de Queiroz. Quisera poder deslumbrar-me, de novo, com todo o seu estilo escorrido, transparente como uma vidraça.
Outro dia eu ouvi um pai falando ao filho:
- Meu, acho uma delicia você estar começando a navegar na rede. Seu primeiro endereço eletrônico! Para você, todos os emails são novidade. Filho, você vai dar muita risada!
Eu não estou velho...mas já tenho história!