quarta-feira, 26 de março de 2008

Superlativo!

Não interessa o que conquistamos, mas sim o que sentimos quando conquistamos aquilo que queremos.
Não interessa o que queremos, mas sim como nos sentimos com aquilo que temos.
Querer não é sentir.
Ter não é sentir.
Inteligência emocional é sentir no todo.
É a imersão total no sentimento.
É o deixar-se levar pelo que dita a emoção.
Descontrole-se!
Ao menos uma vez por semana.
Sinta superlativo.

- Querida, você lembra onde eu deixei minha carteira? Podia jurar que a tinha colocado na mesa de centro da sala ontem quando chegamos.
- Mas, meu amor, você chegou completamente bêbado. Tive que ajudar você a se deitar. Você foi se apoiando pelas paredes e mesmo assim tropeçando nos seus próprios pés. Como você poderia se lembrar onde deixou a sua carteira? Se, inclusive fui eu quem teve que pagar o taxi porque assim que chegamos você passou mal e começou a vomitar.
- Minha princesa, não precisa me lembrar de tudo isso. Aliás, eu até acho que você está aumentando, não fiquei tão ruim ontem. Só bebi o vinho branco que estavam servindo no casamento. Você viu minha carteira, amorzinho?
- Sim é verdade! Você só bebeu vinho branco. Uma garrafa e meia no casamento. Mas, paixão, talvez você não se lembre que, depois, fomos para a casa do Junior e, lá, vocês dois, sozinhos, acabaram com um litro inteirinho de uísque, enquanto nós duas assistíamos, deslumbradas, vocês contarem suas experiências sexuais na juventude.
- Não! Jura que nós fomos para casa do Junior? Não me lembro de nada. A última coisa que me lembro é de dançar com você, minha princesa! Mas, e a minha carteira onde será que eu deixei meu Deus?
- Querido, e se eu contasse que ainda saímos com eles dois depois, e fomos encontrar uns amigos deles que telefonaram de uma boate? E se eu dissesse que você ainda pagou champanhe para todos? E se...
- Chega mulher! Isso não aconteceu! Não me lembro de nada disso! Você está inventando! Cadê a droga da minha carteira?
- Amor, procura dentro da minha bolsa.
- Por que justo dentro de sua bolsa?
- Ah, esqueci que você não se lembra de nada. Eu peguei a sua carteira no chão, na boate, na saída, depois que você caiu sobre a mesa vizinha, quebrando todos os copos e garrafas que estavam em cima. Você não lembra nem do soco que tomou daquele sujeito que você disse que tinha cara de palhaço?
- Achei! Estava aqui dentro mesmo! Estranho, não lembro nada! Querida... Desculpa, eu estou atrasado, tenho uma reunião importante daqui a meia hora no escritório. Vem cá deixa dar um beijo.
- Bom trabalho meu amor. E, não se esqueça do encontro com o advogado hoje às 6:00h.
- Advogado? Que advogado, linda?
- Para discutirmos nosso divórcio... Lindo!

sábado, 22 de março de 2008

Bem-vindo!












Aquele lugar no balcão é meu. Eu vi primeiro. Aliás, quando a senhora saiu ela olhou para cá, como que cedendo o lugar especialmente para mim. Não pense aquele bêbado que eu vou deixar. Apresso o passo. Derrubo uma garrafa no caminho. Não peço desculpas, mas chego primeiro. Agora tenho que alargar meu espaço. Encosto-me no homem que toma café com leite da minha direita. Devagarzinho empurro um pouco. Coloco meu jornal no balcão, delimitando minha área. Direita conquistada. Estico o braço querendo pegar o açucareiro à esquerda. Peço licença. Esquerda conquistada. Chamo o garçom. Ele não vem! Derrubo um copo do lado de dentro. Ele olha para mim. Peço desculpas, um pingado e uma média. Lembro-me que estou atrasado no trabalho. Engulo meu café da manhã sem sentir o gosto. Corro até o caixa com meu tíquete na mão. Entro no buraco do metrô empurrando e sendo empurrado. Formamos um só corpo no vagão. Subo correndo na escada rolante. Ando quase correndo por dois quarteirões. A fila para o elevador é muito grande. Vejo meu chefe e o gerente esperando. Já deveria estar sentado na minha mesa há mais de 40 minutos. É a quarta vez, só essa semana. Abro a pesada porta corta-fogo e subo trotando os seis andares. Entro ofegante na recepção. Vejo que o elevador está subindo. Tiro minha jaqueta, jogo na cadeira e ligo o computador. Maldito computador, demora um século para “inicializar”. Meu chefe vem em minha direção!
O monitor estampa: “bem-vindo”!

quarta-feira, 19 de março de 2008

Urbano



Reconheço, sou nervoso.
Mordo os dentes o tempo todo. Vivo estressado. A cada toque do telefone tenho um sobressalto. Não relaxo nem quando durmo. Sempre tento evitar relacionar-me com desconhecidos. Olho para todos com desconfiança. Fumo um cigarro atrás do outro. Não consigo mais pensar direito. Minha boca vive seca. Já saio da garagem neurótico, acelerando o carro. Os horários devem ser cumpridos. O trânsito não anda. Aquele imbecil, motorista daquele ônibus, deve estar fazendo aquilo só para me provocar. Fecho os outros e ando pelo acostamento. Só eu existo. Os privilégios são horríveis, mas se um dia, por acaso, eles acabarem eu me mudo para o Paraguai.
Confesso, ando meio nervoso esses dias!

terça-feira, 11 de março de 2008

Um perfeito cavalheiro.


Perfeito!
Daqueles que mesmo depois de muito tempo continuam abrindo as portas para as mulheres.
Pronto para dar sua cadeira.
Sempre acabava seu prato depois.
Beijava a mão das mais velhas.
Não dizia palavrão mas ria muito quando elas falavam.
Levava a avó para casa depois das reuniões de família. E até as amigas da avó.
Acendia o cigarro dela se ela fumasse.
Mandava flores e bombons com bilhetes românticos.
Oferecia a mão de apoio em degraus.
Sabia dançar muito bem.
Conhecia algumas poesias e as recitava.
Um dia, coitado, morreu atropelado.

domingo, 2 de março de 2008

Sapatos 1



Quando percebi já tinha dito. Saiu assim sem pensar, sem formulação. Inadvertidamente:
- Hoje eu me mato e pronto!
Susto geral!
Embora já tivesse visto a todos, por diversas vezes, naquele mesmo elevador, na garagem ou na portaria, nunca tinha trocado mais do que um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” (sem nunca olhar no rosto de qualquer um). Aquela frase dita de forma tão inesperada, veemente, barítono baixo em voz alta, decidida, quase como um grito rouco, parece que provocou bastante os demais!
Afinal, éramos vizinhos! Naturalmente, não de muito tempo, era um flat - uma residência provisória para a maioria. Pelo menos para mim era. Provisória havia três anos!
Todos, ao mesmo tempo, se viraram em minha direção e falaram juntos:
- Calma!- Como assim?- Que absurdo! - Mas por quê?



Meus olhos fixaram-se no carpete e nos sapatos. Meu rosto fervia. Meus olhos choravam. O chão parecia crescer. Vermelho, preto, vermelho. Branco! Antes de cair, contei quatro pares: uma sandália de salto alto, vestindo um pé com unhas da mesma cor do carpete, um tênis sujo que - ao ser comprado - devia ser branco, mas que agora era de uma tonalidade entre o verde e o marrom, um mocassim preto e lustroso com pingentes dourados e uma bota de meio cano de camurça bege.
Cheguei a ouvir a pancada, senti uma dor imediata. Não me ocorre nada melhor para dizer senão que desisti de ficar acordado.
Depois fiquei sabendo (porque vieram me contar) que cai de boca aberta no tênis sujo marrom verde.
Semiconsciente percebi que já estava fora do elevador sendo carregado, desajeitadamente, para o pequeno sofá de corvim puído e estragado da portaria, cujos funcionários daquele flat decadente insistiam em chamar de lobby.
Dor! Meu corpo doía muito. Meus pensamentos não fluíam. Meu nariz sangrava! (é sempre assim, basta que eu fique nervoso e meu nariz sangra). Mas, não, dessa vez não foi pelo nervoso. Quando caí bati, com toda força de meu peso, com a cara no chão. Senti meus lábios latejando, quentes e molhados. Um gosto de biles em minha garganta seca, um retrogosto de fel.
Envergonhado! Nunca me senti tão envergonhado em toda a minha vida (bem, talvez tenha, mas isso não vem ao caso neste momento)!
Quando consegui me sentar, instintivamente colocando minha camisa desabotoada para dentro da calça, numa tentativa inútil de me recompor um pouco, vi que todos estavam em pé ao meu lado. A sandália de salto alto, o tênis sujo marrom verde, o mocassim lustroso, a bota de camurça bege e, agora, mais dois pares de sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha que logo deduzi serem dos porteiros do flat (Decadente! Empobrecido! Puído! Estragado!).
Todos conversavam entre si. Discutiam. Alguns exaltados gritavam com os pobres sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha para que chamassem um médico, uma ambulância, a polícia; outros pediam silêncio, trazendo a lógica, dizendo que o importante era manter a calma. Mas, no entanto, ninguém até então tinha sequer tentado falar comigo. Olhavam para mim (imagino) como se olha para um incômodo inesperado.
Suponho que minha figura não fosse suficientemente bonita: nariz sangrando, boca inchada e (depois vieram me contar), olhos esbugalhados, balbuciando palavras incompreensíveis - com um mau hálito horrível.
Derrepente, a sandália de salto alto, e aqueles pés com dedos de unhas vermelhas se aproximaram. Falaram comigo. Reconheci a mesma voz que no elevador, dissera “que absurdo!” Antes, num claro e sentido tom indignado, agora brando com ternura, poderia até dizer afetuoso. Que voz linda!
Sem levantar os olhos, sentindo uma mistura de vergonha, desassossego e mal-estar, imaginei qual feição podia ter aquela sandália, aquelas unhas vermelhas, aqueles dedos bem cuidados. Morena vaidosa sem dúvida, concluí em meu estado de torpor, como uma projeção semiconsciente! Talvez tenha um fetiche recente por morenas ávidas...
(desculpe, pensei sem pensar).

E....se,




E se a gente pudesse reformatar o HD... de vez em quando?





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sábado, 1 de março de 2008

Lembranças reais ou não tão reais.

O véu entre a consciência e a semiconsciência é, às vezes, de um tecido de tal maneira delgado que uma grande parte da vida, acordado, passo imerso em meus devaneios e, para mim, a semiconsciência é, muitas vezes, mais real que a consciência.
Os registros mentais que guardo de momentos de meia consciência são ao mesmo tempo, por um lado confusos, se considerados sob um prisma objetivo e lúcido, mas, por outro são claros, até lógicos, se analisados no contexto de vida que reservei para mim. O enredo é longo. As causas se perderam no passado.
A consequência mais nítida para um observador externo, todavia, começou com a minha incapacidade de olhar no rosto de qualquer pessoa. De início até lutei contra essa compulsão. Fazia força para levantar os olhos, mas depois de sucessivos desmaios, desisti.
No momento que minha visão alcança o rosto da pessoa, o branco dos olhos do meu interlocutor como que explode e tudo vira um enorme e infinito branco. Invariavelmente acordo no chão.
Aos poucos fui me acostumando.
A fim de não detonar essa bomba interna, protegi-me restringindo meu mundo ao chão. Os personagens que preenchem minha vida, desde então, são aqueles que vivem no nível do chão. Com o decorrer do tempo desenvolvi uma grande habilidade para analisar as pessoas pelos pés e pelo tipo de calçados que usam.
Posso descrever rapidamente os hábitos e os costumes de alguém pelo estado do chão de suas casas.
Assim como um cego consegue situar-se e andar por ruas movimentadas, aguçando seus outros sentidos, eu, também, de certa maneira um deficiente visual, acredito ter alcançado um certo equilíbrio e permito-me dizer que levo uma vida normal, na medida do possível, e, em alguns períodos, chego a ser quase feliz nessa minha condição.

Mas naquele dia esse quase equilíbrio desmoronou!