quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Vita!

Mas o que é isso? Afinal, o que está acontecendo?Existe um sentido em tudo isso? Alguém poderia dizer o que estamos fazendo aqui? Os valores são esses, de todo dia? Que mundo é esse que o tempo todo nos afasta da pergunta primordial? Por que viemos, de onde foi e para onde vamos depois?  Ou como diz a música italiana: “Che cosa restarà di noi, di tutte le esperienze che abbiamo havuto in questa vita? "  

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Eu cresci ouvindo histórias!

Caro amigo,

Essa sua contribuição foi muito boa. Gostei!

Com relação, especificamente, ao apelido que você me deu eu quero dizer que achei muito legal! Sabendo do sentimento de amizade que temos, acredito piamente que quando você pensou nele não foi de forma irônica. Por isso me sinto agradecido e


aceito!


Sem medo de ser mal compreendido por todos os demais eu me justifico.

Se ao mesmo tempo sou muitas vezes sangüíneo, agressivo e até cruel com aqueles que gosto; eu procuro ter atitudes nobres. Não me entenda mal!


Eu cresci ouvindo histórias!


Meu pai - uma figura difícil, (i) - como aquelas que existiam antigamente nos álbuns de figurinha e que vinham carimbadas; aquelas que, (ii) - no primário, a gente exibia todo orgulhoso quando tinha a sorte de encontrar e, no recreio, não punha no monte para “bater” com os colegas – achava que o caráter de um homem devia ser moldado pelos bons exemplos. Em momentos solenes, muitas vezes à mesa, tendo como público apenas minha mãe eu, ele, enquanto comíamos, narrava algumas passagens nobres de nossos antepassados, histórias sobre boa educação, honra,

 honestidade e outros valores não menos louváveis. Nem sei se as histórias eram verdadeiras, acho que nunca me preocupei muito com isso. Para mim eram histórias fantásticas! Em todos os sentidos. Fantásticas porque eu as achava bonitas e imaginava as situações, construía mentalmente os cenários, dava feições aos personagens, enfim, as produzia e elas me pareciam reais. Fantásticas, também, porque eram muito distantes da realidade do meu dia a dia, onde eu via pessoas que davam valor a coisas muito diferentes, em que esses, de honra, honestidade e bondade não faziam, absolutamente, parte da receita do sucesso.

Meu pai contava essas histórias atribuindo-as à nossa família e eu tinha orgulho, mas, ao mesmo tempo, me sentia responsável pela continuidade dessa extirpe de nobres. Esse outro lado às vezes me pesava. Não foi uma ou duas vezes que eu me peguei, diante de uma situação qualquer, pensando em como agiriam meus bisavôs ou meus avôs. E isso sempre foi complicado. O panorama parecia-me outro, muito distante do mundo que aqueles senhores de chapéu coco e bengala tinham existido. Como agiria meu avô (e meu bisavô) nesse mundo? Bem diferente do deles, imagino.

É engraçado, porque hoje eu entendo a real intenção! Papai tinha grandes expectativas com relação ao meu futuro! Na verdade era mais que isso, ele depositava em mim toda a sua esperança!

Ele perdeu um filho, meu irmão mais velho e, essa perda, marcou e mudou sua percepção do mundo, sobretudo sua fé em Deus!! Também marcou - e profundamente - seu modo de amar! Mas isso é uma outra história! Quem sabe, um dia, eu tenha a capacidade de escrever sobre ela!


Um grande e fraternal abraço!


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Chat

-Qual foi o livro que você mais gostou?
-Crime e Castigo.
-Por quê?
-Como assim por quê? Você leu?
-Estou lendo e soube que é o livro que você mais gosta.
-E você está gostando?
-Não. Justamente por isso que resolvi fazer a pergunta. Estou achando chato. Lento. Não entendo aonde o Dostoievski quer chegar. Todo esse questionamento interminável do Raskolnikov...
-E, então me permita uma pergunta: qual foi o livro que você mais gostou?
-Ah, eu gostei de muitos! Mas diria sem medo que um dos meus prediletos foi o Fernão Capelo Gaivota! Mas eu só vi o filme.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Parar de fumar.

Acendo um cigarro enquanto espero meu cachorro ter alguns momentos só dele. Solto a guia e digo:
- Vai, vai ser cachorro!
Ele abana o rabo e sai quase me arrastando (esse fecho da guia sempre me atrapalha), cheirando o não tão vasto gramado da pracinha de entrada da rua do meu pai.
Nesses momentos eu reflito. Fumo e reflito. Foi quando tive a inspiração de escrever um texto de incentivo a “parar de fumar”! Irônico, eu estava fumando. Mas pensei que pudesse impressionar uma frase, por exemplo, como:
“Pare de fumar e respire a vida!”
Porque, afinal, sinto a vida entrando toda vez que respiro. Talvez, fumar seja (em vez de só um mero prazer) um ato de covardia. Uma tentativa de diminuir um pouco o volume. Amortecer a intensidade que a vida atinge o indivíduo. E por aí fui vagando em meus pensamentos. Juro que estava completamente sóbrio e descansado.
O Bobby faz xixi em todas as árvores. Ele se acha um perdigueiro. Vai andando lentamente com o focinho grudado no chão. De vez em quando, para e começa a arrastar suas patas para trás, riscando o chão, sei lá porque, nunca entendi, acho que é um transtorno obsessivo compulsivo, ou toc, para os entendedores, daqueles realmente crônicos.
Será que eu vou parar de fumar, como prometi para a Helena no réveillon? Sem querer me pego contando quantos ainda tenho no maço. Tenho só mais 4 e ainda são só 8 e meia. Que sorte que eu trouxe minha carteira. Na volta eu passo pela banca e compro. Aquele chato do dono da banca não vende Galaxy. Lá vou eu fumar o Marlboro azul. Não é dos piores, mas eu gosto mesmo é de Galaxy.
- Bobby, vem! Junto, aqui! Vamos. Chega. Vem cá cachorro, pombas! Pronto, não vamos brigar, hein? Não vai ficar me puxando pra todo canteiro daqui até em casa! Quero passar na banca do bigode pra comprar cigarro! Como se chama o bigode? Sei lá, uma vez eu o chamei de bigode, ele respondeu.
As ruas, 3 anos atrás, eram menos movimentadas. Ou talvez as pessoas, 3 anos atrás, não estivessem tão estressadas como hoje! Tenho que segurar firme o Bobby para não ir atravessando sem olhar. E tenho que puxar forte quando é possível atravessar a rua. Sinto-me um “ET”. Todos de carro. Só eu a pé. As pessoas presas no trânsito, de vidro fechado, entre uma acelerada e outra, nos intervalos de buzinas aflitas e neuróticas, olham para mim e para meu cachorro com um misto de estranheza e admiração. Só eu estou a pé.
- Desculpa, não quero ser entrão, mas como é mesmo seu nome?
-Marcelo.
-Oi Marcelo. Dois Marlboros azuis, por favor.
- R$ 6, 50.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Introspectivo


Algo leva a crer que nos momentos em que Judas (antigamente) explodia, hoje fica introspectivo.
Quer dizer: ele fica é quieto!
Isso talvez porque hoje ele sabe que (na maioria das vezes em que explodia), a razão, o motivo, a espoleta estava dentro e não fora. A opção de partir para ignorância, ou não, é feita internamente. Basta olhar para fora que, hoje, ele percebe como é melhor olhar para dentro. Na verdade, ele acha muito mais interessante.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Pela volta dos bidês!

Já há algum tempo eu venho assistindo calado à diminuição acelerada dos bidês nos banheiros domésticos brasileiros. Poderia me enveredar pelo caminho da argumentação de que, essa iminente extinção, é a queda de mais um dos símbolos que representam resistência ao capital imperialista americano. Que estamos correndo o sério risco de vermos por terra um importante símbolo de distinção contra o gosto duvidoso americano. Afinal, eu não poderia deixar de expor uma famosa e deliciosa estória familiar, que minha mãe sempre me contava. Ela dizia que uma vez, anfitrionando uma americana esposa de um cliente de meu pai, levou a dita senhora para conhecer a casa e, quando chegaram ao banheiro, a americana com ar de nítida curiosidade perguntou, apontando para o bidê:
- “Oh… how sweet! Is this to put the baby in?”
Ao que minha mãe, meio que pega de surpresa, respondeu:
- “No… it’s to put the baby out!”
Mas, não vou seguir por este caminho! Minha indignação, ou melhor, meu desgosto, ao constatar que o sumiço desse importante aparelho é coisa de mais ou menos dias, é, principalmente, sob o ponto de vista do conforto!
O bidê tem inúmeras conveniências. É uma das coisas mais úteis do banheiro. Assim, de cabeça, eu me lembro, por exemplo, de vários usos, fora, claro, o ortodoxo: de proporcionar, tanto às mulheres, como aos homens, o refrescante e consagrado “meio banho”.
Senão, vejamos:
· Para lavar e escaldar os pés;
· Como apoio de pé para cortar as unhas;
· Como assento enquanto seca o cabelo;
· Como revisteiro;
· Como cesto de roupa suja;
· Para deixar uma roupa de molho;
· Como reservatório quando há um aviso de falta d’água.
Enfim, essas conveniências são aquelas que me vêem agora, mas tenho certeza que cada um tem um uso particular, às vezes até reservado.
Por essas razões e, também, por achar que um banheiro sem bidê não tem o mesmo charme e, ainda, porque o fato de quererem deixar de fornecê-lo nas casas de banho modernas tem como um dos motivos a redução da área em metros quadrados desse importante cômodo de uma casa, que resolvi iniciar um movimento pela volta dos bidês.
Minha intenção é de iniciar já um abaixo assinado em favor da votação de um projeto de lei que determine a obrigatoriedade da previsão em planta de, no mínimo, um bidê por banheiro.
Você - que concorda comigo e, assim como eu, vem lamentando em silêncio esse triste acontecimento - convoco sua adesão!
Para formalizar sua inconformidade, favor deixar em “comentários” seu nome, endereço e número de seu título eleitoral.
Juntos, podemos mudar esse país!

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sangue e sêmen

Chove! Tenho alguma dificuldade para dirigir. Preciso urgentemente trocar essa paleta do limpador.
Não acreditava mais que eu pudesse me apaixonar. Não, nessa altura do campeonato! Amor maduro é uma delicia de amor! Que intimidade declarada! Afeto profundo, transformador. Tanto foi que me transformou. Não vou mais conseguir levar essa vidinha que eu estava levando até hoje. Não depois disso que aconteceu. De outra parte, terminar meu casamento vai ser um inferno. Não tenho idéia de como vou dizer que tudo acabou. Mas acabou! Chega!
Chove muito e eu não estou vendo um palmo na minha frente. Onde foi que eu enfiei a flanela? A fumaça do cigarro embaçou todo o vidro.
Nossa, ela ainda está muito atraente! Que química, que tesão! E ela disse que pensou em mim esses anos todos. Conseguiu acordar alguma coisa que estava há muito tempo dormente em mim. Amar e ser amado, de novo, mais uma vez! Beijo com paixão...humm... que delícia! Mas tenho que conseguir terminar de uma vez. Não vou, nem quero continuar mais meu casamento. Casamento? Que tal: depressão conjugal?
Graças a Deus, finalmente, estou chegando. Hoje deve chover a noite inteira!
Já é tarde, todos devem estar dormindo. Espero que esteja tudo em ordem. Minha família é dependente de mim.
Mas, não, ao contrário, encontro luzes pela casa toda. Todos devem estar acordados.
Abro a porta e lá está ela, de pé no centro da sala.
- Onde você andava? Liguei atrás de você várias vezes. Seus amigos não souberam me dizer onde você estava. Na rua até essa hora, sem avisar ninguém! Estamos todos muito nervosos.
As crianças entram correndo e me abraçam.
- Pai onde você estava? Ligamos atrás de você na casa do tio e você não estava lá. A mamãe chorou!
Falo para eles não se preocuparem. Dou um beijo em cada um, mando-os dormir que já é tarde e que amanhã eles têm que acordar cedo para ir para escola, viro-me de novo para ela, digo que tive um dia difícil, preciso de um banho urgente e logo depois conversamos.
Tiro a roupa no banheiro, instintivamente olho para baixo e percebo a cueca manchada de sangue. Ela devia estar menstruada e não vimos. Não jogo a cueca no cesto de roupa suja. Preciso dar um fim nela. Agora não é mais uma simples cueca, é uma prova! Entro com a cueca no box e escondo atrás da vidraça. Ela entra no banheiro. Sem trocar qualquer palavra começa a remexer no cesto.
- Onde está a sua cueca?
- O que? Não estou te ouvindo. Respondo timidamente.
- Onde você colocou sua cueca? Não estou encontrando aqui no cesto.
Sua voz é de raiva e choro. É o sexto sentido feminino. Por que cargas d’água ela encasquetou logo agora com minha cueca? Digo que deve estar no cesto. Que joguei junto com a calça e a camisa, que ela me deixe tomar meu banho em paz e que assim que eu acabar a gente conversa. Ela sai batendo a porta.
Nem que eu quisesse inventar alguma mentira, agora não dá mais. Vou ter que enfrentar o leão já. Acabo meu banho sem vontade de sair dali. Se pudesse eu nunca mais saia desse banheiro. Enxugo-me lentamente e em especial o artista principal, meu pinto! Pego a cueca de trás da vidraça, coloco num saco plástico que escondo embaixo da pia, ainda sem saber como me desfazer daquilo, visto um conjunto de moletom velho, um tênis e vou até minha esposa, disposto a abrir o jogo, falar tudo, desde o começo até o fim.
Como terminar um casamento? Como dizer que vou embora? Que não posso mais, que acabou, que encontrei outra pessoa, uma paixão impossível de minha juventude, que bastou um simples olhar para que nós dois sentíssemos nossos corações acelerados e déssemos o beijo inevitável, que fizéssemos sexo, amor represado, incontido, de duas pessoas a procura de consolo mútuo... Que, enfim, estou amando outra.
Na sala, ela continua de pé. Olha em minha direção, mas tenho a nítida impressão que vê através de mim. Peço para que ela se sente e sento-me, estrategicamente, na poltrona ao lado. Sua figura me passa medo e compaixão. Tenho ao meu lado alguém destruído. Uma mulher ferida. Queria poder diminuir sua dor. Não queria que ela sofresse e, também, não queria outro escândalo. Como fazer dessa conversa séria e difícil, um diálogo civilizado entre duas pessoas bem-educadas? O silêncio começa a pesar insuportavelmente. Bom, se tiver que ser que seja, penso e falo:
- Eu estava com a Roberta. Uma antiga namorada que encontrei, por acaso, na casa de um amigo comum. Não planejamos nada, mas estamos apaixonados.
Seus olhos ficam estáticos, suas pálpebras tremem, sua feição é enigmática. Permanece muda! Eu, então, continuo:
- Olha! Eu juro que não fui procurar ninguém. Aconteceu! Só isso! Sinto muito.
Ela se levanta. Seu rosto se colore de vermelho. Quando penso que vai falar, sua voz é um grito:
- Mas você pensou em mim e nas crianças? Você, por um momento, pensou em mim? E eu? Você quer que eu simplesmente deixe de existir? E nós? Estamos casados há 12 anos! Doze anos, você sabe o que é isso?
Respondo sem pensar (quando ela grita, eu não consigo pensar)!
- Acabou! Nosso casamento acabou! Aliás, faz tempo. Não sei se você percebeu. Há muito não nos suportamos. Vivemos brigando. Discutindo por tudo. Estamos juntos ainda por que não temos condições financeiras para uma separação. Continuamos por causa das crianças. E, por favor, você poderia não gritar? Não digo pelos vizinhos, por que esses coitados devem estar acostumados, falo em nome das crianças que não precisam ouvir essa conversa.
- Ta bem. Você tem razão, não grito mais. Mas, como assim, acabou? Por causa de um ímpeto, de uma trepada com uma qualquer que você encontrou numa noite de chuva? E nós? E nós?
- Acabou. Não sei, acredito que você tenha uma capacidade de sofrer muito mais elástica que a minha. Eu não agüento mais nosso relacionamento. E não foi uma simples trepada com uma qualquer que eu encontrei numa noite de chuva. Eu me apaixonei. Juro, não acreditava mais ser possível, mas estou apaixonado. Acabou! Isso para mim é definitivo.
Ela se levanta e sai chorando em direção ao nosso quarto. Levanto-me também. A não ser pelo grito no meio da conversa, parece que consegui falar o que queria. Não foi exatamente um diálogo civilizado entre duas pessoas bem-educadas, mas, somando-se tudo, foi mais fácil que eu pensava. Vou ao quarto e vejo-a jogada na cama chorando com a cabeça enfiada no travesseiro. Acho que até mesmo como medida de auto-proteção, olho e não sinto nada. Nenhum sentimento. Saio, pego o saco plástico no banheiro, vou até a área de serviço, visto a coleira no cachorro e desço as escadas trotando, como que fugindo daquela atmosfera pesada.
Chove muito, ainda! O porteiro estranha que eu saia para passear com o cachorro, sem ao menos levar um guarda-chuva. Faz um comentário que não chego a ouvir, respondo com um “boa noite, obrigado” e saio porta afora. Molho-me inteiro. Ando devagar. Estou sozinho. Ninguém em sã consciência andaria nesse temporal. Passo por uma caçamba de entulhos. Sem pensar, abro o saco plástico e olho mais uma vez para minha cueca manchada de sangue e sêmen. Sinto uma angústia profunda. Sangue e sêmen, fluídos corporais que significam o fim e o começo, aqui representam, simultaneamente, um golpe de misericórdia em um casamento melancólico e a semente de uma nova fase em minha vida. Sinto medo! Como vou administrar toda a separação? Será que vou conseguir ficar com a Roberta? Jogo o saco na caçamba. Vai ser duro, mas um dia, tenho certeza, ainda vou dar risada com meus amigos, tomando cerveja e me lembrando dessa situação assombrosa. Tudo passa na vida.
O cachorro se sacode inteiro, jogando água para todos os lados. Preciso entrar, está chovendo muito!

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Coisas de Coelho!

Clima tropical.

Coelho pensou em tomar um chá frio. Inácio, o filho, estava deitado em seu colo. Chamou a empregada e pediu que colocasse o menino na cama.

O pôr do sol estava esplêndido!

Todo céu tinha se coberto de um véu cor de rosa...

As nuvens formavam figuras e sua imaginação andava aguçada...

Desde que perdera sua mulher, levada pela doença (Coelho nunca mais se permitira nomear a moléstia que tinha consumido sua esposa), não tinha tido qualquer contato físico com outra mulher.

Acostumado à lida, Coelho, aos seus cinqüenta e cinco anos, sentia-se potente.


Notara, todavia, que, nos últimos tempos, o chá frio diminuira de efeito:

sentia atração pelas empregadas!






quinta-feira, 29 de maio de 2008

Recomeço

Nada de interessante programado para acontecer. Naquele ano, não havia mais feriados. Ele ainda não tinha completado metade do seu período aquisitivo de férias. Estava com vários projetos atrasados e várias contas vencidas não pagas. Há muito não experimentava um momento de paz. Não se sentia protegido nem ao menos em sua própria casa. Impotente diante das provações que a vida lhe impunha, sua única vontade era dormir. Sono profundo e sonhos de fuga.
Eram seis e meia de uma manhã de quarta-feira. Um dia úmido e de céu encoberto. Podia-se ouvir o barulho das rodas molhadas dos automóveis. Todos tinham pressa e aceleravam os motores.
Tomou um banho mais demorado. Resolveu não fazer a barba. O vapor da água quente embaçou o espelho e apareceu o que havia escrito com o dedo na manhã do dia anterior: “vida de merda!” Pegou a toalha de rosto e apagou veementemente. Há quanto tempo se sentia assim? Pensou. Há quanto tempo tinha desistido de lutar? Por que se tornara tão apagado? Em que momento atrás sucumbira? Pensou. Não localizou o dia em que perdera a esperança em si mesmo. Olhou-se. Um homem fracassado! Sua expressão era desânimo.
Resolveu fazer a barba. Encheu a mão de espuma e espalhou com força e desespero por todo seu rosto. Lavou energicamente a mão e, mesmo tremendo-a, trocou a lâmina de barbear e levou à costeleta. Fazia a barba como se pudesse tirar suas rugas e vincos marcados pelo sofrimento de ser a maior e, talvez, a única vítima de si mesmo. Como que tomado pelo derradeiro esforço, chegou a pronunciar uma interjeição de auto-estímulo. - Vamos lá, falou para o reflexo que o encarava do outro lado. -Eu consigo! –Vamos lá! Acabou por escanhoar-se cuidadosamente. Abriu o armário atrás do espelho, pegou o tubo de gel e passou prodigamente pelo cabelo. Penteou-se com zelo. Fez as unhas e perfumou-se. Vestiu-se elegantemente, encheu o peito e saiu para o ringue da luta cotidiana, dispondo-se a tentar mais uma vez.
Na casa, todos da família continuavam a dormir. Podia-se entender pelo barulho de louças e panelas, que a empregada já tinha começado a preparar o café da manhã. Desde muito não se tomava mais o desjejum em família. Sua decadência se espalhara e, com ela, também se desequilibraram as relações familiares. Cada um vivia em seu inferno. A empregada não estranhava mais se a mesa posta para 5 pessoas não fosse tocada. Assim como arrumava, desarrumava e guardava. Naquele dia, no entanto, tudo seria diferente, pensou. Mesmo diante da própria incerteza com relação a mais essa tentativa, sentou-se à escrivaninha e preparou um bilhete para sua mulher.
Bom dia querida, sei que esses últimos tempos não têm sido fáceis para nós, hoje, no entanto, acordei e percebi o quanto gosto de você e das crianças. Quero muito voltar a ver essa casa feliz. Esta noite, claro, se você não estiver cansada, gostaria de levá-la para jantar fora e depois dançar. Ligue para mim quando estiver disposta... ”
Não, pensou melhor e riscou a última frase e escreveu:
Ligo para você mais tarde”.
E subscreveu-se, como fazia nos tempos em que namoravam:
Eterno Amor”.
Pegou sua maleta do escritório, foi à copa, deixou o bilhete sobre o prato de sua mulher, tomou um cafezinho em pé, deu bom dia à empregada e saiu. Apertou o botão do elevador. Nos poucos minutos de espera, pegou-se assobiando uma bossa-nova. Sim, tudo iria melhorar. No fim tudo acaba bem, pensou. Se tudo não está bem, é porque o fim ainda não chegou, pensou positivamente!
Abriu a porta do elevador e apertou “SS”. O elevador era velho, mas confortável. As paredes de jacarandá, o painel de botões dourado, o piso acarpetado de bordô, corrimões dourados, teto de metal laqueado, um amplo espelho fumê na parede de trás. A reforma tinha sido impecável. O barulho de cabos e o ranger do carro nos trilhos, no entanto, eram os mesmos de antes. Ouviu um estampido forte. Logo o elevador desequilibrou-se para o lado esquerdo. Outro estampido forte e percebeu, numa fração de segundos que descia descontrolado. Do décimo segundo ao segundo subsolo em cinco segundos .

Quando os bombeiros retiraram seu corpo, ainda se sentia a fragrância da loção importada.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Nós e a caveira

Auto Posto

“Pobre só come carne quando morde a língua”. Eu me lembro desse ditado (bem popular, aliás) escrito no encosto do banco de cimento, do posto Barreirense da Rodovia Washington Luis. As crianças achavam engraçado e chamavam a nossa atenção. Tinham vários iguais: “Sogro rico e porco gordo, só dá dinheiro depois de morto”, (ou será que não era: “porco rico e sogro gordo”?) ““ Deus aperta, mas não enforca”, Pisão de galinha choca não mata o pintinho“, nós dávamos risada, lendo em voz alta para elas, imitando o sotaque caipira. Esses bancos ficam espalhados ao longo do terraço comprido que circunda a lanchonete e o restaurante. Existe até um mini mercado, loja de conveniência segundo a concepção local. O posto fica no município de Cordeirópolis, depois de Limeira e antes de Rio Claro. O dono, então, era um português jovem (será que ainda é o mesmo dono?), muito bem apessoado, simpático e que vinha me cumprimentar, toda vez que me via entrar em seu estabelecimento comercial. Admirava sua mulher, também bonita, sempre bem vestida e simpática. Faziam um bolinho de bacalhau que quase babo ao lembrar (será que ainda fazem?). Eu sempre tomava uma água de coco gelada. Mais uma idéia do português, inédita na época. E ele cobrava três reais cada coco. Em qualquer lugar você podia comprar um coco por, no máximo, dois reais. Mas eu pagava contente. Era uma parada relaxante e, depois de uma semana tumultuada e cheia de trabalho, a porta de entrada para o ambiente tranqüilo e aconchegante do interior de São Paulo. O meu descanso começava, propriamente ali. Sentia o clima e o ritmo alucinante da cidade de São Paulo, ficarem para trás.
A partir dali ia mais devagar. Colocava no toca fita uma música regional, um som de viola e relaxava! A segunda parte da viagem era bem diferente da primeira. Todos dormiam e eu dirigia olhando para o céu. Nas noites estreladas de lua nova ou nos luares iluminados que até sombra as árvores faziam. Estrelas cadentes riscando o pára-brisa. O gado branco no contraste do pasto verde escuro. Os infindáveis canaviais que ardiam com labaredas altíssimas que se viam longe...
No interior ajuste o seu ritmo. Os dias demoram mais a passar. O relógio anda mais devagar. O tempo é outro. E com horizonte, ar puro, silêncio, sol forte do meio dia, sentir uma chuva chegando, vento úmido no rosto, rede na varanda, passarinhos cantando, o farfalhar das copas, cheiro de flor e terra.
Sinto saudades do Auto posto Barreirense e dos fins de semana na fazenda.

sábado, 3 de maio de 2008

Melhor ainda

(Estou pensando em escrever sobre evoluções, o primeiro argumento – inevitavelmente- é sempre uma confissão.)
Basta saber um pouco de história, para se perceber a evolução de nossa espécie! Tudo evolui. Pode-se até evoluir para o caos, mas mesmo pela inércia, evolui-se. Existe o neologismo (desses novos) que resume um pouco o interesse objetivo: evolucionar. Alguns mais radicais até podem achar esse conceito como “de direita”. Mas, ao contrário, evolução incorpora o final de revolução (e é perda de tempo discutir por causa de um “r”). Repare a semelhança com solução. Desde os mais antigos pensadores, até o dito popular urbano: sai da frente que atrás vem gente, o seguir a frente, adquirindo experiência, está bem claro para a raça humana.
Evolução pessoal significa evolução de toda a sociedade. Tudo está entrelaçado!
Pode-se chegar inclusive ao acerto da tese escotista: sempre alerta! Ajudemos as velhinhas a atravessar a rua pela faixa.
Mas o mais fácil é começar por si mesmo. Afinal você está ali mesmo e pronto para ouvir. Uma vez alguém me disse que a única maneira de se chegar bem ao fim é tentar fazer melhor a cada dia. Se você sabe que está fazendo mal e joga para o dia seguinte, você, certamente, não vai chegar bem ao fim. Tente trabalhar os seus sentimentos e faça bem. Visualize o que você quer atingir. Trace uma rota e acredite. Toda a sociedade agradece! Fazendo o bem para você, está fazendo bem para toda comunidade.
É verdade. Eu tento dar a minha cota!
Vai você primeiro!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O Missionário

No fundo todos nós queremos difundir nossa concepção particular dos fatos. Essa difusão significa a transmissão, verbal ou não, do nosso ponto de vista, sobre como enfrentar a vida. O resultado de uma espécie de manual prático individual.
Através dos vários relacionamentos que vamos tendo, pinçamos algumas coisas que aprendemos de uns, aproveitamos grandes lições de outros e assim com as experiências adquiridas nos transformamos e, por conseqüência, aos poucos vamos re-escrevendo o nosso manual.
Ao mesmo tempo e de forma idêntica, interferimos nos manuais dos que nos rodeiam. Entender o outro é a maneira menos traumática de conviver em sociedade.
Os missionários, todavia, não se limitam a expor e também não querem a própria tra
nsformação, almejam somente o convencimento e a mudança de seus interlocutores. Para eles só existe a sua verdade (deles). E, por pensarem conhecê-la, por acreditarem deter o privilégio de acesso ao fato absoluto, sentem-se compelidos a revelar essa descoberta, indistintamente. Sem cerimônia!
Com banners que chamam ao supremo. Com slogans que dizem que o que revelam espelha a verdade, aquilo que ao se saber tudo transforma e renova. Intitulando-se a Salvação! Olham com ar de superioridade para os pagãos. Por isso que se acham no direito de agir sem cerimônia.
É comum nos grandes centros vermos missionários em seu estado mais avançado. Desde a praça central, até nos largos dos monumentos, são muitos os que gritam aos quatro ventos. Gritam, com todos seus pulmões, berram o mais alto que podem seus estribilhos fatais e o caminho do céu. Para quem simplesmente passa e presencia, é muito difícil ter empatia.
Neste caso, é arriscado sentir o que o outro sentiria se você estivesse na pele dele!
Da mesma maneira que não dá para ficar com pena de todo mendicante de farol – sem que com isso se concorde com a injustiça social – não dá para ficar ouvindo todo pregador de esquina. Em nome da sanidade, ninguém merece!
Se existe só uma verdade, é a que diz que os seus próprios donos não evoluem.
São esses os pastores! Só assim é compreensível alguém pensar que pode transmitir a verdade única. Acreditam serem seus donos.
Na realidade o que ocorre não é transmissão. Não se transmite nada, espera-se, simplesmente, que o intranqüilo caia na trama. Afinal, a tranqüilidade e a saúde, são passageiras! Sob a capa da compreensão, da aceitação da vida pregressa, do perdão aos crimes, enfia-se goela abaixo um novo manual de comportamento a ser seguido.
O público alvo, portanto, é a humanidade! E o jogo é de poder!
Só peço a Deus um pouco de lucidez para não cair nessa trama! Não aceito a seita imposta. Estou construindo a minha própria. Na verdade só quero o direito de exercitar meu livre arbítrio.
Olho em volta, vejo em família, no meio de amigos, nos ambientes de trabalho, dentre conhecidos e percebo quantos os missionários. São pessoas próximas, catequistas de suas próprias doutrinações.
Durante o auge do século passado surgiu o manifesto que pregava a paz e o amor, que rompeu com o romance da figura do guerreiro e do caçador, a tourada virou uma violência desnecessária, a guerra foi finalmente vista feia e a matança de inocentes considerada injustificável.
Os conceitos de paz e de amor foram simplesmente repetidos mais uma vez. Foram muitos os personagens que, ironicamente, na mesma medida dos pregadores das praças públicas, repetiram essas revelações, com toda força de seus pulmões, difundindo o princípio do deixar viver, do respeito à individualidade alheia, do direito de ser diferente. Enfim, do livre arbítrio!
Alguns definem o livre arbítrio como a experiência da liberdade.
Não há espaço para missionários na liberdade.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Passeio com o Bobby

De noite, toda noite, eu tenho que levar o Bobby para um passeio em volta do quarteirão. Quem é o Bobby? Bom, é difícil responder essa pergunta sem parecer um pouco bobo. Por quê? Porque o Bobby é meu cachorro labrador e, para mim, ele não é só isso. Para mim ele é um anjo que alguém lá de cima, que gosta muito de mim, mandou para me ensinar a amar todos os bichos, para amar a natureza, para ensinar a amar em geral. O Bobby é o amor sobre quatro patas. Bem, eu já fui logo avisando que eu sempre pareço um bobo quando falo do Bobby. Sim, claro, eu o chamo de filho. Não foi nem uma nem duas vezes que brincaram comigo, chamando nós dois juntos de Bobi pai e Bobi filho. Mas, tudo bem, eu queria contar outra coisa: toda noite, então, eu saio na rua com ele. Por força do destino – e, sobretudo, do trabalho de toda vida de meu pai – eu moro num dos lugares de comércio mais finos (e caros) de São Paulo, meu quarteirão é todo de lojas. Às vezes, mesmo sendo um pouco tarde, passo por muitas pessoas. Gente de todo tipo, casais saindo de algum dos tantos restaurantes famosos que ficam pela área, funcionários de lojas, indo apressadamente pegar seus carros (onde será que estacionam? Não se encontra um maldito lugar na rua, toda tomada pelos serviços de valet), seguranças de terno e gravata (tenho uma teoria que, daqui alguns anos só os seguranças e os gerentes de TI andarão de terno e gravata), famílias tomando sorvete e olhando as vitrines e muitos outros na mesmíssima situação: levando seus amigos cachorros para uma voltinha a fim de fazerem suas necessidades biológicas. Antes que alguém pense qualquer coisa eu já advirto que sempre pego o cocô do Bobby ! Não me importo, até já me acostumei. Algumas vezes, no entanto, fiquei bem enojado. Não por causa do cocô do Bobby. Mas, porque sem querer peguei de algum outro que, sem ver, estava ao lado do dele. Cocô dos outros (ergh!) e, pior, já frio! O do Bobby, quente, duro, com nós típicos de cachorro que só come ração premium não sinto nada. Mas, tudo bem, eu estava dizendo outra coisa: eu sei que é feio, que não se deve escutar a conversa dos outros, mas nesses passeios eu ouço coisas bem interessantes. Como a vez em que vi duas moças bem vestidas, mas que pelo jeito não usavam roupas caríssimas de grife, mas bem vestidas, andando em um passo lento, entretidas na análise das tendências da moda para a próxima estação. Ao passar por elas (sendo puxado de um canteiro para outro) pude ouvir:
- “Sabe? Eu gosto de olhar, mas tenho consciência que essa rua não é para o meu bico. Não tenho dinheiro para comprar nesse lugar.”
Ao invés de ter qualquer sentimento de pena pela condição financeira da moça, eu senti admiração por sua lucidez expressa, pelo modo como ela articulou a frase, pela entonação que deu . Mesmo ciente que não podia consumir aquelas roupas bonitas, ela apreciava observar aquelas vitrines luminosas e coloridas, num despojamento invejável. Passou por mim, olhou para o Bobby e sorriu.
Depois que eu tive o Bobby eu percebi como um cachorro pode ser um ser socializador. Antes, eu não conhecia os arredores, não falava nem com meus vizinhos. Hoje eu compro fiado na banca, cumprimento os motoristas de taxi, os manobristas me ajudam a sair de casa e chamo pelo nome vários outros cachorros do bairro. Meu quarteirão ficou mais meu.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Velho?

Existiu um tempo em que as pessoas falavam para a prole:
- Meu filho, eu o invejo, pois ainda não leu Eça de Queiroz. Quisera poder deslumbrar-me, de novo, com todo o seu estilo escorrido, transparente como uma vidraça.
Outro dia eu ouvi um pai falando ao filho:
- Meu, acho uma delicia você estar começando a navegar na rede. Seu primeiro endereço eletrônico! Para você, todos os emails são novidade. Filho, você vai dar muita risada!
Eu não estou velho...mas já tenho história!

quarta-feira, 26 de março de 2008

Superlativo!

Não interessa o que conquistamos, mas sim o que sentimos quando conquistamos aquilo que queremos.
Não interessa o que queremos, mas sim como nos sentimos com aquilo que temos.
Querer não é sentir.
Ter não é sentir.
Inteligência emocional é sentir no todo.
É a imersão total no sentimento.
É o deixar-se levar pelo que dita a emoção.
Descontrole-se!
Ao menos uma vez por semana.
Sinta superlativo.

- Querida, você lembra onde eu deixei minha carteira? Podia jurar que a tinha colocado na mesa de centro da sala ontem quando chegamos.
- Mas, meu amor, você chegou completamente bêbado. Tive que ajudar você a se deitar. Você foi se apoiando pelas paredes e mesmo assim tropeçando nos seus próprios pés. Como você poderia se lembrar onde deixou a sua carteira? Se, inclusive fui eu quem teve que pagar o taxi porque assim que chegamos você passou mal e começou a vomitar.
- Minha princesa, não precisa me lembrar de tudo isso. Aliás, eu até acho que você está aumentando, não fiquei tão ruim ontem. Só bebi o vinho branco que estavam servindo no casamento. Você viu minha carteira, amorzinho?
- Sim é verdade! Você só bebeu vinho branco. Uma garrafa e meia no casamento. Mas, paixão, talvez você não se lembre que, depois, fomos para a casa do Junior e, lá, vocês dois, sozinhos, acabaram com um litro inteirinho de uísque, enquanto nós duas assistíamos, deslumbradas, vocês contarem suas experiências sexuais na juventude.
- Não! Jura que nós fomos para casa do Junior? Não me lembro de nada. A última coisa que me lembro é de dançar com você, minha princesa! Mas, e a minha carteira onde será que eu deixei meu Deus?
- Querido, e se eu contasse que ainda saímos com eles dois depois, e fomos encontrar uns amigos deles que telefonaram de uma boate? E se eu dissesse que você ainda pagou champanhe para todos? E se...
- Chega mulher! Isso não aconteceu! Não me lembro de nada disso! Você está inventando! Cadê a droga da minha carteira?
- Amor, procura dentro da minha bolsa.
- Por que justo dentro de sua bolsa?
- Ah, esqueci que você não se lembra de nada. Eu peguei a sua carteira no chão, na boate, na saída, depois que você caiu sobre a mesa vizinha, quebrando todos os copos e garrafas que estavam em cima. Você não lembra nem do soco que tomou daquele sujeito que você disse que tinha cara de palhaço?
- Achei! Estava aqui dentro mesmo! Estranho, não lembro nada! Querida... Desculpa, eu estou atrasado, tenho uma reunião importante daqui a meia hora no escritório. Vem cá deixa dar um beijo.
- Bom trabalho meu amor. E, não se esqueça do encontro com o advogado hoje às 6:00h.
- Advogado? Que advogado, linda?
- Para discutirmos nosso divórcio... Lindo!

sábado, 22 de março de 2008

Bem-vindo!












Aquele lugar no balcão é meu. Eu vi primeiro. Aliás, quando a senhora saiu ela olhou para cá, como que cedendo o lugar especialmente para mim. Não pense aquele bêbado que eu vou deixar. Apresso o passo. Derrubo uma garrafa no caminho. Não peço desculpas, mas chego primeiro. Agora tenho que alargar meu espaço. Encosto-me no homem que toma café com leite da minha direita. Devagarzinho empurro um pouco. Coloco meu jornal no balcão, delimitando minha área. Direita conquistada. Estico o braço querendo pegar o açucareiro à esquerda. Peço licença. Esquerda conquistada. Chamo o garçom. Ele não vem! Derrubo um copo do lado de dentro. Ele olha para mim. Peço desculpas, um pingado e uma média. Lembro-me que estou atrasado no trabalho. Engulo meu café da manhã sem sentir o gosto. Corro até o caixa com meu tíquete na mão. Entro no buraco do metrô empurrando e sendo empurrado. Formamos um só corpo no vagão. Subo correndo na escada rolante. Ando quase correndo por dois quarteirões. A fila para o elevador é muito grande. Vejo meu chefe e o gerente esperando. Já deveria estar sentado na minha mesa há mais de 40 minutos. É a quarta vez, só essa semana. Abro a pesada porta corta-fogo e subo trotando os seis andares. Entro ofegante na recepção. Vejo que o elevador está subindo. Tiro minha jaqueta, jogo na cadeira e ligo o computador. Maldito computador, demora um século para “inicializar”. Meu chefe vem em minha direção!
O monitor estampa: “bem-vindo”!

quarta-feira, 19 de março de 2008

Urbano



Reconheço, sou nervoso.
Mordo os dentes o tempo todo. Vivo estressado. A cada toque do telefone tenho um sobressalto. Não relaxo nem quando durmo. Sempre tento evitar relacionar-me com desconhecidos. Olho para todos com desconfiança. Fumo um cigarro atrás do outro. Não consigo mais pensar direito. Minha boca vive seca. Já saio da garagem neurótico, acelerando o carro. Os horários devem ser cumpridos. O trânsito não anda. Aquele imbecil, motorista daquele ônibus, deve estar fazendo aquilo só para me provocar. Fecho os outros e ando pelo acostamento. Só eu existo. Os privilégios são horríveis, mas se um dia, por acaso, eles acabarem eu me mudo para o Paraguai.
Confesso, ando meio nervoso esses dias!

terça-feira, 11 de março de 2008

Um perfeito cavalheiro.


Perfeito!
Daqueles que mesmo depois de muito tempo continuam abrindo as portas para as mulheres.
Pronto para dar sua cadeira.
Sempre acabava seu prato depois.
Beijava a mão das mais velhas.
Não dizia palavrão mas ria muito quando elas falavam.
Levava a avó para casa depois das reuniões de família. E até as amigas da avó.
Acendia o cigarro dela se ela fumasse.
Mandava flores e bombons com bilhetes românticos.
Oferecia a mão de apoio em degraus.
Sabia dançar muito bem.
Conhecia algumas poesias e as recitava.
Um dia, coitado, morreu atropelado.

domingo, 2 de março de 2008

Sapatos 1



Quando percebi já tinha dito. Saiu assim sem pensar, sem formulação. Inadvertidamente:
- Hoje eu me mato e pronto!
Susto geral!
Embora já tivesse visto a todos, por diversas vezes, naquele mesmo elevador, na garagem ou na portaria, nunca tinha trocado mais do que um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” (sem nunca olhar no rosto de qualquer um). Aquela frase dita de forma tão inesperada, veemente, barítono baixo em voz alta, decidida, quase como um grito rouco, parece que provocou bastante os demais!
Afinal, éramos vizinhos! Naturalmente, não de muito tempo, era um flat - uma residência provisória para a maioria. Pelo menos para mim era. Provisória havia três anos!
Todos, ao mesmo tempo, se viraram em minha direção e falaram juntos:
- Calma!- Como assim?- Que absurdo! - Mas por quê?



Meus olhos fixaram-se no carpete e nos sapatos. Meu rosto fervia. Meus olhos choravam. O chão parecia crescer. Vermelho, preto, vermelho. Branco! Antes de cair, contei quatro pares: uma sandália de salto alto, vestindo um pé com unhas da mesma cor do carpete, um tênis sujo que - ao ser comprado - devia ser branco, mas que agora era de uma tonalidade entre o verde e o marrom, um mocassim preto e lustroso com pingentes dourados e uma bota de meio cano de camurça bege.
Cheguei a ouvir a pancada, senti uma dor imediata. Não me ocorre nada melhor para dizer senão que desisti de ficar acordado.
Depois fiquei sabendo (porque vieram me contar) que cai de boca aberta no tênis sujo marrom verde.
Semiconsciente percebi que já estava fora do elevador sendo carregado, desajeitadamente, para o pequeno sofá de corvim puído e estragado da portaria, cujos funcionários daquele flat decadente insistiam em chamar de lobby.
Dor! Meu corpo doía muito. Meus pensamentos não fluíam. Meu nariz sangrava! (é sempre assim, basta que eu fique nervoso e meu nariz sangra). Mas, não, dessa vez não foi pelo nervoso. Quando caí bati, com toda força de meu peso, com a cara no chão. Senti meus lábios latejando, quentes e molhados. Um gosto de biles em minha garganta seca, um retrogosto de fel.
Envergonhado! Nunca me senti tão envergonhado em toda a minha vida (bem, talvez tenha, mas isso não vem ao caso neste momento)!
Quando consegui me sentar, instintivamente colocando minha camisa desabotoada para dentro da calça, numa tentativa inútil de me recompor um pouco, vi que todos estavam em pé ao meu lado. A sandália de salto alto, o tênis sujo marrom verde, o mocassim lustroso, a bota de camurça bege e, agora, mais dois pares de sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha que logo deduzi serem dos porteiros do flat (Decadente! Empobrecido! Puído! Estragado!).
Todos conversavam entre si. Discutiam. Alguns exaltados gritavam com os pobres sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha para que chamassem um médico, uma ambulância, a polícia; outros pediam silêncio, trazendo a lógica, dizendo que o importante era manter a calma. Mas, no entanto, ninguém até então tinha sequer tentado falar comigo. Olhavam para mim (imagino) como se olha para um incômodo inesperado.
Suponho que minha figura não fosse suficientemente bonita: nariz sangrando, boca inchada e (depois vieram me contar), olhos esbugalhados, balbuciando palavras incompreensíveis - com um mau hálito horrível.
Derrepente, a sandália de salto alto, e aqueles pés com dedos de unhas vermelhas se aproximaram. Falaram comigo. Reconheci a mesma voz que no elevador, dissera “que absurdo!” Antes, num claro e sentido tom indignado, agora brando com ternura, poderia até dizer afetuoso. Que voz linda!
Sem levantar os olhos, sentindo uma mistura de vergonha, desassossego e mal-estar, imaginei qual feição podia ter aquela sandália, aquelas unhas vermelhas, aqueles dedos bem cuidados. Morena vaidosa sem dúvida, concluí em meu estado de torpor, como uma projeção semiconsciente! Talvez tenha um fetiche recente por morenas ávidas...
(desculpe, pensei sem pensar).

E....se,




E se a gente pudesse reformatar o HD... de vez em quando?





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sábado, 1 de março de 2008

Lembranças reais ou não tão reais.

O véu entre a consciência e a semiconsciência é, às vezes, de um tecido de tal maneira delgado que uma grande parte da vida, acordado, passo imerso em meus devaneios e, para mim, a semiconsciência é, muitas vezes, mais real que a consciência.
Os registros mentais que guardo de momentos de meia consciência são ao mesmo tempo, por um lado confusos, se considerados sob um prisma objetivo e lúcido, mas, por outro são claros, até lógicos, se analisados no contexto de vida que reservei para mim. O enredo é longo. As causas se perderam no passado.
A consequência mais nítida para um observador externo, todavia, começou com a minha incapacidade de olhar no rosto de qualquer pessoa. De início até lutei contra essa compulsão. Fazia força para levantar os olhos, mas depois de sucessivos desmaios, desisti.
No momento que minha visão alcança o rosto da pessoa, o branco dos olhos do meu interlocutor como que explode e tudo vira um enorme e infinito branco. Invariavelmente acordo no chão.
Aos poucos fui me acostumando.
A fim de não detonar essa bomba interna, protegi-me restringindo meu mundo ao chão. Os personagens que preenchem minha vida, desde então, são aqueles que vivem no nível do chão. Com o decorrer do tempo desenvolvi uma grande habilidade para analisar as pessoas pelos pés e pelo tipo de calçados que usam.
Posso descrever rapidamente os hábitos e os costumes de alguém pelo estado do chão de suas casas.
Assim como um cego consegue situar-se e andar por ruas movimentadas, aguçando seus outros sentidos, eu, também, de certa maneira um deficiente visual, acredito ter alcançado um certo equilíbrio e permito-me dizer que levo uma vida normal, na medida do possível, e, em alguns períodos, chego a ser quase feliz nessa minha condição.

Mas naquele dia esse quase equilíbrio desmoronou!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Reciclagem!!

Pupilo curioso intelectualmente:
- O livro até que é interessante!


Mestre com grande histórico de combate:
- Você o devorou em uma noite só! Também acho que se só tivesse revista velha você leria tudo, do expediente à contra-capa...


Pupilo curioso intelectualmente:
- Os destilados acabaram uma noite antes...

Mestre com grande histórico de combate:
- Aposto que você preferia ler qualquer coisa a ter que ouvir e responder àquelas pessoas. Não conseguiu esconder sua contrariedade...


Pupilo curioso intelectualmente:
- Ah, pelo amor de Deus: os assuntos giravam sempre em torno dos privilégios... De como são odiosos, mas vale tudo para mantê-los... A lógica embotada deles ...


Mestre com grande histórico de combate:
- É a direita mais obscura e nojenta... São todos uns atônitos... Mas voltando ao livro... Qual o título?


Pupilo curioso intelectualmente:
“Volumosos na Produção de Ruminantes”... Interessante, sabe? Aprendi muito... Você já imaginou algum dia que o uso intensivo de volumosos de alta qualidade através de forragem conservada, permite a redução de custos e o estabelecimento de sistemas de produção sustentáveis com menor dependência do mercado?


Mestre com grande histórico de combate:
- Você deve estar sob efeito de alguma coisa! Você não percebe que essa é uma das cartilhas deles? Você não vê que a destruição dessas propriedades, é justamente o que o “movimento” prega?


Pupilo curioso intelectualmente:
- Mas ... “a avaliação da composição mineral e as interações com o desempenho de animais em pastejo são fatores de fundamental importância” ... Só agora entendi isso em seu sentido mais profundo! Para mim foi como o estalo do Padre Vieira, de repente tudo fez sentido, uma palavra depois da outra...

Mestre com grande histórico de combate:
- Não acredito! Agora você ficou católico também! Só me faltava essa... Vou ligar para o comitê central e pedir a sua substituição aqui... Você está precisando de uma reciclagem!

Pupilo curioso intelectualmente:
- Será que eu podia tirar um xerox?


Mestre com grande histórico de combate:
- Vai me dizer que vai querer uma assinatura do canal rural?

Não ficar parado!

Mesmo que eu conseguisse escrever bem, tudo o que eu pensasse em escrever, alguém, antes de mim, já teria registrado, em prosa, poesia, teatro, cinema ou qualquer outro meio de comunicação possível ou imaginável.
As minhas tristezas, angústias, o que me aborrece ou o que me consola, aquilo que me alegra, minhas paixões, meus medos, minhas valentias, minhas ternuras, minhas grosserias (incontáveis), minhas certezas ou minhas incertezas, meus sonhos ou meus pesadelos, enfim qualquer sentimento ou argumento sobre o qual eu quisesse começar a escrever nunca seria inédito.
Meus pontos de vista, aqueles que sobraram, nem são meus. Foram incutidos em mim. De fora para dentro.
Concordo, também, que todos têm um filtro próprio. O filtro individual determina a maneira como cada um percebe e sente a realidade lá fora.
Até que pensando assim, sob essa perspectiva, o que eu conseguisse transmitir seria uma visão só minha e aí valeria a pena. Seria algo único.
Mas, por outro lado, pergunto: e esse filtro? De onde vem? Como adquiri? Nasceu comigo?
E já vou respondendo: não, ele também foi formado e, também, de fora para dentro. Moral, ética, religiosidade, enfim, toda formação individual segue os padrões impostos pela família, pelos amigos, pelo meio. E essa formação corresponde àqueles princípios em vigor na sociedade em que se insere.
Sou uma pessoa “civilizada” e meu filtro é conseqüência dessa minha educação.
Onde, então, está minha originalidade?



Tive um professor de matemática que repetia sem parar:
- “O mais importante não é a cultura nem a inteligência e sim o bom senso!”
(Nunca entendi direito o que ele queria dizer)
No entanto, não tenho dúvida que era uma visão matemática. E bem distante do meu mundo.
Acho que nunca tive bom senso! Sempre fui péssimo em matemática e, para falar a verdade, devo ter faltado em alguma aula muito importante. Ainda garoto tive uma experiência de certa forma traumática - quando me dei conta do infinito, do absoluto - e isso deve ter me afastado um pouco da matemática.
As opções que fiz, foram escolhidas diretamente no cardápio que me deram.
As ações que tomei foram reações aos estímulos externos que recebi. Tanto as “positivas” como as “negativas”, ambas estavam no mesmo cardápio.
Meus medos são ancestrais.
Porque fui educado em um meio latino para ser Homem, tenho que ser corajoso.
Minhas paixões são aquelas socialmente aceitáveis.
As angustias são químicas (Lexotan nelas!).
Minhas certezas foram sedimentadas por comodidade, mas com o passar dos tempos eu as venho perdendo e isso me incomoda.
O que foge ao padrão determinado pelo coletivo é o que me aborrece e me irrita.
Alegria e tristeza são estados de espírito alternantes e passageiros... portanto, banais.
Esse texto mesmo está muito longe de ser original.
Antes de mim, muitos, inumeráveis ociosos e pretensiosos, ocuparam seu tempo escrevendo alguma bobagem parecida. Uns, com muito mais graça, estilo, com argumentação mais articulada, cultura superior etc., outros, de forma mais simples, limitados, mas mesmo assim escreveram, e antes.
Não interessa, tudo já foi pensado, escrito, discutido, esmiuçado até o fim.
Nunca serei único, nem inédito em meus devaneios.
Posso até, por um tempo, achar que estou sendo novo, mas só por ignorância.
Por que registrar o óbvio?
Queria poder fugir do lugar comum, do clichê.
Contar uma história. Criar um conto. Um romance.
Mas, por que?
Para não ficar parado?
É, pensando assim talvez seja uma opção. Ficar parado não é bom.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A paz das Peônias

No princípio não me chamou muita atenção. Um fato curioso, é verdade. Mas, distante de minha realidade, longe de meus problemas. Sem muito que fazer, no entanto, quase que automaticamente, posicionei o mouse e pressionei o botão sobre o link que me levaria ao caso.
Na tela apareceu a seguinte noticia:

Dezessete peônias nascidas de sementes que orbitaram a Terra em 2002, a bordo da nave Shenzhou 3, começaram a florescer dois anos antes do que ocorre com as "terráqueas", segundo a edição desta terça-feira, 17, do jornal China Daily - "As peônias crescem também com mais vigor, talos mais grossos e óbvias características genéticas hereditárias", disse Sun Jingyu, especialista do Jardim de Peônias de Chaozhou, na província de Shandong.

Mais do que a curiosidade de saber qual a aparência de uma peônia que, pelo que me lembrava, jamais tinha visto, fosse ao vivo ou em fotografia; com a mente livre e vazia de qualquer atribuição e sem nenhuma obrigação momentânea, comecei a pensar naquelas sementes vagando na estratosfera, com a terra azul por cenário, sem o fator gravidade e, especialmente, envoltas no mais absoluto silêncio cósmico.
É misterioso o modo como se desencadeiam nossos pensamentos!
Em seguida me veio à mente um gesto que já fiz em varias ocasiões - e ainda hoje me pego fazendo às vezes se ninguém está vendo – quando me sinto acuado e sem saída, em situações difíceis: estico meus braços em direção ao céu e me imagino subindo como um foguete para bem longe, no além.
Sem qualquer controle sobre meus pensamentos, me vi filosofando: Será que as peônias ficaram mais fortes quando trazidas de volta, em razão desses momentos que tiveram longe de tudo, por terem vivenciado essa paz completa, mesmo que breve, mas plena? Será que se meu desejo de alçar vôo, nessa trajetória de fuga, fosse, por absurdo, atendido e se eu fosse como que abençoado por essa sensação de paz e plenitude, mesmo que breve, também eu voltaria mais forte para crescer? Será que tudo o que precisamos não é um momento só nosso, mesmo que breve?


PS: Abaixo, para aqueles que ficaram curiosos, uma ilustraçãode uma peônia que achei em um site sobre flôres.

Mas, essa é uma "terráquea"!