Quando percebi já tinha dito. Saiu assim sem pensar, sem formulação. Inadvertidamente:
- Hoje eu me mato e pronto!
Susto geral!
Embora já tivesse visto a todos, por diversas vezes, naquele mesmo elevador, na garagem ou na portaria, nunca tinha trocado mais do que um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” (sem nunca olhar no rosto de qualquer um). Aquela frase dita de forma tão inesperada, veemente, barítono baixo em voz alta, decidida, quase como um grito rouco, parece que provocou bastante os demais!
Afinal, éramos vizinhos! Naturalmente, não de muito tempo, era um flat - uma residência provisória para a maioria. Pelo menos para mim era. Provisória havia três anos!
Todos, ao mesmo tempo, se viraram em minha direção e falaram juntos:
- Calma!- Como assim?- Que absurdo! - Mas por quê?
- Hoje eu me mato e pronto!
Susto geral!
Embora já tivesse visto a todos, por diversas vezes, naquele mesmo elevador, na garagem ou na portaria, nunca tinha trocado mais do que um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite” (sem nunca olhar no rosto de qualquer um). Aquela frase dita de forma tão inesperada, veemente, barítono baixo em voz alta, decidida, quase como um grito rouco, parece que provocou bastante os demais!
Afinal, éramos vizinhos! Naturalmente, não de muito tempo, era um flat - uma residência provisória para a maioria. Pelo menos para mim era. Provisória havia três anos!
Todos, ao mesmo tempo, se viraram em minha direção e falaram juntos:
- Calma!- Como assim?- Que absurdo! - Mas por quê?
Meus olhos fixaram-se no carpete e nos sapatos. Meu rosto fervia. Meus olhos choravam. O chão parecia crescer. Vermelho, preto, vermelho. Branco! Antes de cair, contei quatro pares: uma sandália de salto alto, vestindo um pé com unhas da mesma cor do carpete, um tênis sujo que - ao ser comprado - devia ser branco, mas que agora era de uma tonalidade entre o verde e o marrom, um mocassim preto e lustroso com pingentes dourados e uma bota de meio cano de camurça bege.
Cheguei a ouvir a pancada, senti uma dor imediata. Não me ocorre nada melhor para dizer senão que desisti de ficar acordado.
Depois fiquei sabendo (porque vieram me contar) que cai de boca aberta no tênis sujo marrom verde.
Semiconsciente percebi que já estava fora do elevador sendo carregado, desajeitadamente, para o pequeno sofá de corvim puído e estragado da portaria, cujos funcionários daquele flat decadente insistiam em chamar de lobby.
Dor! Meu corpo doía muito. Meus pensamentos não fluíam. Meu nariz sangrava! (é sempre assim, basta que eu fique nervoso e meu nariz sangra). Mas, não, dessa vez não foi pelo nervoso. Quando caí bati, com toda força de meu peso, com a cara no chão. Senti meus lábios latejando, quentes e molhados. Um gosto de biles em minha garganta seca, um retrogosto de fel.
Envergonhado! Nunca me senti tão envergonhado em toda a minha vida (bem, talvez tenha, mas isso não vem ao caso neste momento)!
Quando consegui me sentar, instintivamente colocando minha camisa desabotoada para dentro da calça, numa tentativa inútil de me recompor um pouco, vi que todos estavam em pé ao meu lado. A sandália de salto alto, o tênis sujo marrom verde, o mocassim lustroso, a bota de camurça bege e, agora, mais dois pares de sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha que logo deduzi serem dos porteiros do flat (Decadente! Empobrecido! Puído! Estragado!).
Todos conversavam entre si. Discutiam. Alguns exaltados gritavam com os pobres sapatos de amarrar e sola impermeável de borracha para que chamassem um médico, uma ambulância, a polícia; outros pediam silêncio, trazendo a lógica, dizendo que o importante era manter a calma. Mas, no entanto, ninguém até então tinha sequer tentado falar comigo. Olhavam para mim (imagino) como se olha para um incômodo inesperado.
Suponho que minha figura não fosse suficientemente bonita: nariz sangrando, boca inchada e (depois vieram me contar), olhos esbugalhados, balbuciando palavras incompreensíveis - com um mau hálito horrível.
Derrepente, a sandália de salto alto, e aqueles pés com dedos de unhas vermelhas se aproximaram. Falaram comigo. Reconheci a mesma voz que no elevador, dissera “que absurdo!” Antes, num claro e sentido tom indignado, agora brando com ternura, poderia até dizer afetuoso. Que voz linda!
Sem levantar os olhos, sentindo uma mistura de vergonha, desassossego e mal-estar, imaginei qual feição podia ter aquela sandália, aquelas unhas vermelhas, aqueles dedos bem cuidados. Morena vaidosa sem dúvida, concluí em meu estado de torpor, como uma projeção semiconsciente! Talvez tenha um fetiche recente por morenas ávidas...
(desculpe, pensei sem pensar).
4 comentários:
Bonito, muito bem escrito, intenso e autentico, real e humano, um humor com um Q. sarcastico e claramente sensivel.
Sabe, eu acho que você deveria conhecer o meu tio, vocês tem muitas coisas em comum!!!
Gostei muito Menelson.
Virei credenciada de carteirinha.
Beijos Nana
NP, tbm to gostando da dinâmica, visualidade, e sim do conteúdo "filosofico" desse blog...
muito bom!
Ei deixei uma resposta ao seu comentario la no meu Circulando...
Bjinhos
sapatinhos... Mas... vc pode mesmo descrever rapidamente os h�bitos e os costumes de algu�m pelo estado do sapato e do ch�o de suas casas??
Sem nenhuma sombra de dúvida...
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