Nada de interessante programado para acontecer. Naquele ano, não havia mais feriados. Ele ainda não tinha completado metade do seu período aquisitivo de férias. Estava com vários projetos atrasados e várias contas vencidas não pagas. Há muito não experimentava um momento de paz. Não se sentia protegido nem ao menos em sua própria casa. Impotente diante das provações que a vida lhe impunha, sua única vontade era dormir. Sono profundo e sonhos de fuga.
Eram seis e meia de uma manhã de quarta-feira. Um dia úmido e de céu encoberto. Podia-se ouvir o barulho das rodas molhadas dos automóveis. Todos tinham pressa e aceleravam os motores.
Tomou um banho mais demorado. Resolveu não fazer a barba. O vapor da água quente embaçou o espelho e apareceu o que havia escrito com o dedo na manhã do dia anterior: “vida de merda!” Pegou a toalha de rosto e apagou veementemente. Há quanto tempo se sentia assim? Pensou. Há quanto tempo tinha desistido de lutar? Por que se tornara tão apagado? Em que momento atrás sucumbira? Pensou. Não localizou o dia em que perdera a esperança em si mesmo. Olhou-se. Um homem fracassado! Sua expressão era desânimo.
Resolveu fazer a barba. Encheu a mão de espuma e espalhou com força e desespero por todo seu rosto. Lavou energicamente a mão e, mesmo tremendo-a, trocou a lâmina de barbear e levou à costeleta. Fazia a barba como se pudesse tirar suas rugas e vincos marcados pelo sofrimento de ser a maior e, talvez, a única vítima de si mesmo. Como que tomado pelo derradeiro esforço, chegou a pronunciar uma interjeição de auto-estímulo. - Vamos lá, falou para o reflexo que o encarava do outro lado. -Eu consigo! –Vamos lá! Acabou por escanhoar-se cuidadosamente. Abriu o armário atrás do espelho, pegou o tubo de gel e passou prodigamente pelo cabelo. Penteou-se com zelo. Fez as unhas e perfumou-se. Vestiu-se elegantemente, encheu o peito e saiu para o ringue da luta cotidiana, dispondo-se a tentar mais uma vez.
Na casa, todos da família continuavam a dormir. Podia-se entender pelo barulho de louças e panelas, que a empregada já tinha começado a preparar o café da manhã. Desde muito não se tomava mais o desjejum em família. Sua decadência se espalhara e, com ela, também se desequilibraram as relações familiares. Cada um vivia em seu inferno. A empregada não estranhava mais se a mesa posta para 5 pessoas não fosse tocada. Assim como arrumava, desarrumava e guardava. Naquele dia, no entanto, tudo seria diferente, pensou. Mesmo diante da própria incerteza com relação a mais essa tentativa, sentou-se à escrivaninha e preparou um bilhete para sua mulher.
“Bom dia querida, sei que esses últimos tempos não têm sido fáceis para nós, hoje, no entanto, acordei e percebi o quanto gosto de você e das crianças. Quero muito voltar a ver essa casa feliz. Esta noite, claro, se você não estiver cansada, gostaria de levá-la para jantar fora e depois dançar. Ligue para mim quando estiver disposta... ”
Não, pensou melhor e riscou a última frase e escreveu:
“Ligo para você mais tarde”.
E subscreveu-se, como fazia nos tempos em que namoravam:
“Eterno Amor”.
Pegou sua maleta do escritório, foi à copa, deixou o bilhete sobre o prato de sua mulher, tomou um cafezinho em pé, deu bom dia à empregada e saiu. Apertou o botão do elevador. Nos poucos minutos de espera, pegou-se assobiando uma bossa-nova. Sim, tudo iria melhorar. No fim tudo acaba bem, pensou. Se tudo não está bem, é porque o fim ainda não chegou, pensou positivamente!
Abriu a porta do elevador e apertou “SS”. O elevador era velho, mas confortável. As paredes de jacarandá, o painel de botões dourado, o piso acarpetado de bordô, corrimões dourados, teto de metal laqueado, um amplo espelho fumê na parede de trás. A reforma tinha sido impecável. O barulho de cabos e o ranger do carro nos trilhos, no entanto, eram os mesmos de antes. Ouviu um estampido forte. Logo o elevador desequilibrou-se para o lado esquerdo. Outro estampido forte e percebeu, numa fração de segundos que descia descontrolado. Do décimo segundo ao segundo subsolo em cinco segundos .
Quando os bombeiros retiraram seu corpo, ainda se sentia a fragrância da loção importada.
Eram seis e meia de uma manhã de quarta-feira. Um dia úmido e de céu encoberto. Podia-se ouvir o barulho das rodas molhadas dos automóveis. Todos tinham pressa e aceleravam os motores.
Tomou um banho mais demorado. Resolveu não fazer a barba. O vapor da água quente embaçou o espelho e apareceu o que havia escrito com o dedo na manhã do dia anterior: “vida de merda!” Pegou a toalha de rosto e apagou veementemente. Há quanto tempo se sentia assim? Pensou. Há quanto tempo tinha desistido de lutar? Por que se tornara tão apagado? Em que momento atrás sucumbira? Pensou. Não localizou o dia em que perdera a esperança em si mesmo. Olhou-se. Um homem fracassado! Sua expressão era desânimo.
Resolveu fazer a barba. Encheu a mão de espuma e espalhou com força e desespero por todo seu rosto. Lavou energicamente a mão e, mesmo tremendo-a, trocou a lâmina de barbear e levou à costeleta. Fazia a barba como se pudesse tirar suas rugas e vincos marcados pelo sofrimento de ser a maior e, talvez, a única vítima de si mesmo. Como que tomado pelo derradeiro esforço, chegou a pronunciar uma interjeição de auto-estímulo. - Vamos lá, falou para o reflexo que o encarava do outro lado. -Eu consigo! –Vamos lá! Acabou por escanhoar-se cuidadosamente. Abriu o armário atrás do espelho, pegou o tubo de gel e passou prodigamente pelo cabelo. Penteou-se com zelo. Fez as unhas e perfumou-se. Vestiu-se elegantemente, encheu o peito e saiu para o ringue da luta cotidiana, dispondo-se a tentar mais uma vez.
Na casa, todos da família continuavam a dormir. Podia-se entender pelo barulho de louças e panelas, que a empregada já tinha começado a preparar o café da manhã. Desde muito não se tomava mais o desjejum em família. Sua decadência se espalhara e, com ela, também se desequilibraram as relações familiares. Cada um vivia em seu inferno. A empregada não estranhava mais se a mesa posta para 5 pessoas não fosse tocada. Assim como arrumava, desarrumava e guardava. Naquele dia, no entanto, tudo seria diferente, pensou. Mesmo diante da própria incerteza com relação a mais essa tentativa, sentou-se à escrivaninha e preparou um bilhete para sua mulher.
“Bom dia querida, sei que esses últimos tempos não têm sido fáceis para nós, hoje, no entanto, acordei e percebi o quanto gosto de você e das crianças. Quero muito voltar a ver essa casa feliz. Esta noite, claro, se você não estiver cansada, gostaria de levá-la para jantar fora e depois dançar. Ligue para mim quando estiver disposta... ”
Não, pensou melhor e riscou a última frase e escreveu:
“Ligo para você mais tarde”.
E subscreveu-se, como fazia nos tempos em que namoravam:
“Eterno Amor”.
Pegou sua maleta do escritório, foi à copa, deixou o bilhete sobre o prato de sua mulher, tomou um cafezinho em pé, deu bom dia à empregada e saiu. Apertou o botão do elevador. Nos poucos minutos de espera, pegou-se assobiando uma bossa-nova. Sim, tudo iria melhorar. No fim tudo acaba bem, pensou. Se tudo não está bem, é porque o fim ainda não chegou, pensou positivamente!
Abriu a porta do elevador e apertou “SS”. O elevador era velho, mas confortável. As paredes de jacarandá, o painel de botões dourado, o piso acarpetado de bordô, corrimões dourados, teto de metal laqueado, um amplo espelho fumê na parede de trás. A reforma tinha sido impecável. O barulho de cabos e o ranger do carro nos trilhos, no entanto, eram os mesmos de antes. Ouviu um estampido forte. Logo o elevador desequilibrou-se para o lado esquerdo. Outro estampido forte e percebeu, numa fração de segundos que descia descontrolado. Do décimo segundo ao segundo subsolo em cinco segundos .
Quando os bombeiros retiraram seu corpo, ainda se sentia a fragrância da loção importada.
5 comentários:
O texto está muito bem escrito. A situação é muito mais comum a todos nós do que gostaríamos de acreditar. Contudo, é uma pena que a tomada de consciência de uma pessoa tenha a conduzido a morte. Apesar da morte, ser para muitas linhas espiritualistas um prêmio, neste caso específico não gostei do final. A tomada de consciencia é apenas o primeiro passo para qualquer reforma íntima e normalmnete é o passo menos doloroso. Este final só se explica de forma razoável se o infeliz for corintiano.
Keep doing a good job.
O Calabrês
o final é rápido e seco, gostei. Não foi a tomada de consciência que o conduziu à morte. Na minha opinião foi o acaso.
NP,
Gostei do texto, bem escrito e vamos nos conduzindo pela narrativa, porém achei o final seco e muito rápido. Acho que poderia ser mais trabalhado. De qualquer forma, achei interessante. Vale a pena continuar.
Anônimo
OK,gostei mas.....
O final já era esperado ,pois, desde o começo sabia-se que o infeliz nao ia ter um bom fim,
naõ gosto desta forma de escrever na terceira pessoa.a Danusa Leao escreve assim e.....
You can do better.Lila
Lila,
Ok, encaixo a crítica...
Afinal podia ser pior. Você podia ter dito que parece um texto do Clodovil!
Beijos mana
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